A Função Paterna no Desenvolvimento Infantil

Papelaria lotada, véspera do dia dos pais, à procura de uma agenda nova. Um menininho puxa a alça da minha bolsa, olha para mim, e segurando um cartão em cada mão, pergunta: Moça, qual cartão você prefere? Respondo que se eu fosse um pai, preferiria o de sua mão esquerda. Ele diz que tudo bem, porque o cartão do dia dos pais era para sua mãe. Naqueles segundos que parecem tirar nosso chão por horas, pensando nas coisas que crianças falam, me ocorreu algo que vem sendo recorrente na clinica infantil: a capacidade cada vez mais equilibrada com a qual pais têm administrado ambas as funções materna e paterna.

Em psicanálise se falam em funções, notem, não em mãe ou pai nem mulher ou homem. E é essa justamente a beleza do termo. Mulheres ou homens virão, em algum momento da criação de uma criança, assumir ambas as funções. Permeamos entre uma e outra, às vezes com naturalidade, às vezes não. Por exemplo, quando um pai coloca o bebê para dormir em seu colo, aninhado em sua barriga, ele está nesse momento exercendo uma função maternante, de acolhimento tanto físico quanto psíquico. A função materna talvez esteja muito mais clara no imaginário das pessoas, justamente por ser confundida com instinto materno, o qual definitivamente, não pode ser atribuído a seres humanos a partir do momento que fomos instituídos em um mundo de linguagem.

E a função paterna? Ela deverá ser um agente terceiro triangulador da relação mãe-bebê, limitador de um desejo que muitas vezes, sem essa mediação, pode se tornar perigoso para o desenvolvimento da criança. A função paterna vai gerar um desvio no olhar sobre o bebê, fazendo que ele seja menos intenso, mais equilibrado. Alguns exemplos disso: quando a mãe se permite namorar, quando uma avó ou amiga fica com o bebe para a mãe ir cortar o cabelo, ou quando, e principalmente, quando o limite do não poder, é transmitido à criança. Quando uma criança se torna “tudo” para uma mãe, sem espaço para mais ninguém, há uma grande preocupação. Da mesma maneira, uma criança que pode “tudo” também não vai bem.

A separação dessas funções se torna menos visível ao longo dos anos, pois o casal parental, assim como pais solteiros que recebam apoio de amigos e familiares, vão se adaptar a ambas, como já disse anteriormente. Quando o menininho na papelaria escolhia o cartão para sua mãe-pai ou pai-mãe, ficou clara essa possibilidade. Parabéns, atrasado, para todos vocês que nesse ultimo dia 15, foram a função paterna de alguém!

Mariane de Freitas Cordeiro

Psicóloga Clínica – Mestra em Saúde Mental Infantil